domingo, 23 de outubro de 2011

O Direito Achado na Rua: A Liberdade e a Consciência


A expressão criada por Roberto Lyra Filho – Direito Achado na Rua –, em breve síntese, objetiva apresentar uma concepção transformadora do Direito, que se constrói nos espaços públicos - a rua - com abertura à formação de sociabilidades reinventadas, dirigindo a consciência para uma cultura cidadã e participação democrática. Portanto, devemos entender o fenômeno jurídico com seus sujeitos como protagonistas na busca da quebra das algemas que os aprisionam na opressão e na espoliação, em plena oposição à frívola lei e à doutrina incessível às condições sociais, propiciando a desalienação e possibilitando a mudança de seus destinos e experiências. Assim, o Direito que envolve nossos bancos acadêmicos e as esferas de poder, enclausurado em seus palácios e alheio aos movimentos e às demandas populares, cede lugar àquele que se encontra nas ruas.

É importante dizer que a atuação destes novos sujeitos, atuando coletivamente na realidade, e as experiencias por eles desenvolvidas de criação de direito propiciam: 1) A determinação do espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciamO novo Direitoainda que contra legem; 2) A definição da natureza jurídica do sujeito coletivo, sendo este apto a elaborar um projeto de transformação social e de elaborar-se como sujeito de direito; 3) Estabelecer, através destas praticas criadoras de direitos, novas categorias jurídicas.

Partimos da perspectiva que apreender o Direito e criticá-lo propicia a sua desmistificação, revelando, além dos véus, a realidade concreta, o que nos leva a encará-lo como uma relação entre homens, ou seja, uma relação social. A concepção jusfilosófica do Direito Achado Achado na Rua, perspectiva crítica do pensamento jurídico, parte, sucintamente, da expressão do pluralismo jurídico e do humanismo dialético.

Assim, as bases teóricas adotadas, fundadas na dialética como opção científica-metodológica, são, principalmente, Hegel, Henrique C. Lima Vaz, João Mangabeira, Karl Marx, o sociologismo jurídico de Ehrlich, dentre outras correntes críticas do sociologismo jurídico, assim como a hermenêutica materialista.

Faz-se necessária a tentativa de localizar a referida teoria no plano de compreensão da natureza objetiva do Direito, ou seja, localizá-lo dentro de uma escola do pensamento jurídico. Trata-se de um perfil do chamado sociologismo jurídico, o qual compreende, em aspectos gerais, a desconsideração da lei estatal como única fonte produtora do Direito, admitindo outros parâmetros – no caso escutar a Rua -, assim como, a ampla liberdade do interprete ao aplicar a lei, quando possível, desde que parta de princípios filosóficos e sociológicos para tanto, conferindo um sentido, ao meu ver, reinventado, voltado para a transformação social e para a quebra das correntes da opressão e da espoliação. Entende, ainda, que o ordenamento jurídico estatal, em um mesmo espaço composto por pessoas politicamente organizadas, não é o único, coexistindo, deste modo, diversos direitos, fenômeno este denominado pluralismo jurídico.

É válido enquadrá-lo, em razão da perspectiva crítica adota, como uma vertente do Direito Alternativo, o qual decorre da compreensão do fenômeno jurídico como um instrumento de opressão e de dominação entre as diferentes classes sociais, assim como a consciência da aplicação do Direito como fenômeno politico, que se dá no espaço público e politico – a rua – devolvendo ao Direito sua dignidade política, esquecida em razão de bloqueios e de desvios ideológicos.

No pensamento de Lyra Filho, o ponto de partida é a recusa da tradicional redução distorcida e ideológica do Direito em jusnaturalismo e em positivismo legalista. Para além destas concepções, é necessário entender a sociedade e o Direito através da dialética, que a preocupação constante de entender os fatos concretos, a partir da enfatização de uma transformação social, assim como compreender a totalidade de todos os segmentos sociais. Por consequência, e com o intuito de evitar mais uma concepção ideológica ilusória, faz-se necessário a adoção de uma prática libertadora. Assim sendo, e apoiados em uma sociologia jurídica crítica, revelar-se-á o caráter instrumental do Direito não apenas como controle social, mas, na verdade, como um instrumento para as mudanças sociais e para a libertação conscientizada.

Portanto, e em razão da desconstrução do velho, surge um novo projeto, um novo direito, com a tarefa de criaruma ciência jurídica sem dogmas, analítica e critica ao mesmo tempo (...cuja) base de toda dialetização eficaz de ser uma ontologia dialética do Direito, sem eiva de idealismo intrínseco e sem compartimentos estaques entre a síntese filosófica e a análise da dialética social das normas, em ordenamentos plurais e conflitivos e sob o impulso da práxis libertadora1. Rassalta-se que a principal inversão do pensamento tradicional é compreender as normas como Direitoe, depois, definir Direito pelas normas, limitando estas às normas do Estado e da classe e grupos que dominam2. É válido lembrar que a lei advinda do Estado permanece, de fato, ligada à classe dominante, que o Estado, à sombra daqueles que comandam o processo econômico, é um complexo de órgãos que controlam a sociedade politicamente organizada, sociedade esta que se alienada das decisões tomadas nesse âmbito.

A identificação entre Direito e Lei faz parte do repertório ideológico do Estado e, em razão de sua posição, almeja convencer-nos de que não contradições. É válido notar que nem toda legislação, como expressão de uma classe, é Direito autêntico e legítimo. Isso se da pelo fato da lei abranger, conforme o momento histórico, Direito e Antidireito: “isto é, Direito propriamente dito, reto e correto, e negação do Direito, entortado pelos interesses classísticos e caprichos continuístas do poder estabelecido3. Por outro lado, o Direito, atualmente, encontra-se aprisionado e isolado no Campo de Concentração Legislativo, como conjunto de normas estatais. O que cabe a nós alargar o foco, mediante uma visão dialética, abrangendo o além do direito e das normas não-estatais, fenômeno este que se pelas pressões populares, de grupos espoliados e oprimidos. Assim como sentimentos e anseios que emergem da sociedade civil (instituições não vinculadas ao Estado) e que adotem posições de vanguarda, como determinados movimentos sociais, setores de igrejas, associações profissionais, culturais e estudantis e dentre outros veículos de desconstrução do velho.

É dentro deste pluralismo jurídico insurgente e não estatal que se dignifica o Direito dos oprimidos e dos espoliados, o qual não mais refletirá a superestrutura normativa de dominação. Portanto, solidificará o processo de construção coletiva do fenômeno jurídico de base estrutural, isto é, escutar as pessoas e a rua. Ademais, abandonar-se-á a noção distorcida de Direito como mero veiculo de dominação, libertando-o da sua caracterização como ideologia. O fenômeno jurídico somente se efetiva a partir de sua essencialidade sociopolítica, em razão da sua aplicabilidade nas relações entre os homens, e de seu dinamismo, no processo de libertação, assim é indispensável a superação da lei estatal, em certos casos, para que o Direito acompanhe a justiça.

Em suma, o Direito deve prestar ao projeto de ampliação da capacidade popular de determinar-se como sujeitos soberanos nos encaminhamentos da vida e dos seus interesses. “Há muitas armadilhas no mundo e precisamos aprender a quebrá-las” (Ferreira Gullar). É necessário aprender a quebrar as armadilhas do mundo e do Direito, para que este se torne autêntico e global instrumento de emancipação. O Direito está na Rua. E a Rua Grita!

1 Roberto Lyra Filho apud Wolker, Introdução ao pensamento jurídico crítico, pg. 100.

2Roberto Lyra Filho apud Wolker, Introdução ao pensamento jurídico crítico, pg. 100.

3FILHO, Roberto Lyra. O que é Direito?, p. 5

Um comentário:

  1. Olha eu aqui! Interessante demais esse blog, só te peço (se possível) para aumentar um pouco a fonte da página, fica mais fácil para ler! Mas maravilhoso viu! Ah, o meu é.. www.saradespojando.blogspot.com Bj!

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