sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277

Voto

A rua grita. A rua grita não é escutada pelos juízes, advogados, teóricos do Direito, professores (...) temos que reaprender a escutar a rua enquanto produtora do novo."
Luis Alberto Warat


Cinge-se a questão em saber, ao interpretar o artigo 1723 do Código Civil conforme a Constituição, a sua aplicabilidade na união estável homoerótica , aquela constituída entre indivíduos do mesmo sexo. Portanto, após a análise da ordem jurídica constituída de princípios e de direitos fundamentais, reconheceremos a possibilidade de tal direito e estaremos indo para além da literalidade dos dispositivos, os quais resguardam apenas e tão-só à união estável entre homem e mulher. De se atentar, ainda, ao dinamismo das relações sociais, nas quais há verdadeira juridicidade, ante à inércia do dogmatismo e à existência de eventuais lacunas conscientes ou não, já que a positivação se dá pelos que detém o poder.

É válido lembrar que “o fenômeno fundamental no desenvolvimento do direito não está no ato de legislar nem na jurisprudência ou na aplicação do direito, mas na própria sociedade” (EHRLICH, prefácio, 1986).

Assim e em razão da necessidade do judiciário acompanhar a dinâmica social, a qual, em sua maioria, antecede o nascimento jurídico-positivo, devemos compreender e ter como pressuposto, a existência, segundo Lyra Filho, de Direito e Antidireito: “isto é, Direito propriamente dito, reto e correto, e negação do Direito, entortado pelos interesses classístico e caprichos constinuístas do poder estabelecido”. Faz-se necessário, para além do Antidireito, o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, já que o não reconhecimento trata-se, de fato, de puro e simples desvio de classe e de manutenção da ordem, assim como de opressão e de preconceito, fenômeno este que excluiria indivíduos da tutela jurídico-positiva. Por conseqüência, ao observar a realidade e ao fazer o exercício sinépico de olhar o futuro ao aplicar friamente o art. 226 da CF, estaríamos incorrendo em clara injustiça de exclusão na aplicação do direito. Devemos ir para além da sociedade excludente e humanizar o ser social desumanizado pelo próprio homem.

De se notar que os valores, os quais incidem nesta questão, são constituídos como preceitos axiológicos e históricos, e estão vinculados ao momento histórico e social, o qual se dá em uma sociedade patriarcal, machista e homofônica. Portanto, estão ligados ao preconceito estrutural e complexo. Para tanto, basta observar a evolução jurídica de perseguição e punição das minorias, no caso, os homossexuais.

Assim, faz-se indispensável, na fase da pré-compreensão ou pré-entendimento, tendo em vista a constituição finita e histórica do homem, a adoção do pressuposto para além do preconceito como condicionante do trabalho hermenêutico e da razão – a razão não-indolente voltada à emancipação –, sob pena de constituição de juízos equivocados, subordinados à determinadas sujeições, em razão da precipitação, como construção do falso ou do pseudo-concreto, e, ainda, em razão da autoridade, a qual nos tira consciente ou inconscientemente a liberdade interpretativa, assim como condiciona-nos a reprodução de preconceito, ou, também, leva-nos ao esquecimento do reconhecimento enquanto mulheres e homens – enquanto pessoa humana dotada de desejos e sonhos. (GADAMER, pg. 416-417, 1999).

Ressalta-se que o Estado, na maioria das vezes, através de normas impessoais e individualizantes dos conflitos sociais pratica a exclusão política e social, a fim de preservar a sua própria “segurança”, mas, principalmente, à segurança da classe social ou grupo social que estão por trás de suas instituições.

Assim, na lógica da legitimação da ordem, na qual há o imperativo do preconceito, as práticas cotidianas do jurídico se esquecem da questão do outro. Portanto, a solução não se cinge a problemática legislativa, para a qual não se faz necessário a elaboração de lei à regulamentar a união, tendo em vista os grupos sociais reprodutores de preconceitos que estão por trás das instituições e demais pessoas que detêm o poder, os quais poderiam – como várias vezes o fazem – criar Antidireito, contrário a dignidade das pessoas do corpo social e, sobretudo, dos oprimidos e espoliados.

Neste sentido, os grupos majoritários, representados no congresso nacional, em razão do fenômeno ideológico, poderiam opor-se a positivação de determinadas realidades sociais.
Assim, trata-se em devolver àquelas pessoas a autodeterminação de suas vidas, assim como sua dignidade política, devendo o direito, quando possível, servir a emancipação social.
É válido lembrar que a instituição e o aperfeiçoamento da igualdade formal e da desigualdade substantiva pertencem ao modo normal de funcionamento do sistema social, fenômeno este que seria reproduzido na elaboração legislativa, a qual prefere o abstrato à realidade, tornando o ser social um fino papel de um código. Os limites da igualdade formal são sempre subordinados, estruturalmente, à condição de marginalização e à espoliação e, sobretudo, às exigências de uma desigualdade substancial

É, portanto, pelo exposto, juridicamente possível e inevitável a extensão, à união homoerótica, do mesmo regime jurídico daquela constituída entre pessoas de diferentes gêneros, em razão da legitima e direta incidência de princípios constitucionais e direitos fundamentais da igualdade, da liberdade, da dignidade da pessoa humana, do estado democrático de direito, do não preconceito, da construção de uma sociedade justa e solidaria, do principio implícito de inclusão dos indivíduos e, por fim, o resguardo da segurança jurídica, àquela utilizada retoricamente pelos que negam esta possibilidade, embora a concessão resguarde a segurança em razão da legitimação constitucional para a qual se faz necessário ouvir a rua.
Cumpre descartar, ainda, que o regime democrático não pode tolerar e tão pouco admitir a reprodução cotidiana às minorias de opressão e de desigualdades, assim como frustrar ou extirpar o exercício de direito fundamentais, qual sejam: da igualdade, da liberdade, dentre outros.

Por sua vez, o fenômeno jurídico, em sua atualidade, ao lidar com as complexidades, mediante a captura do fenômeno da co-presença social, política e jurídica, tem por finalidade a busca de um preceito solucionador e auto-reflexivo aberto às variações sociais. Portanto, somente se efetiva a partir de sua essencialidade sociopolítica, em razão da sua aplicabilidade nas relações entre os seres sociais, assim como em seu dinamismo no processo de libertação.
Deste modo, não podemos tomar a letra pelo espírito e tão pouco a aparência pela realidade , esgotando o Direito na pura e simples exegese, assim como na busca pela vontade do legislador, como única fonte do fenômeno jurídico. Entretanto, é na sociedade que o Direito se elabora, sendo necessário mostrar, “na própria realidade, como nascem às grandes instituições jurídicas, a família, a propriedade, o contrato, quais são as causas, como se alteram, com que verossimilhança se transformam, em direção ao futuro, naturalmente, por impulso da realidade.” .

Vale destacar, na esteira do acima exposto e em virtude da solução das complexidades, assim como a retomada da dignidade político-jurídica dos grupos oprimidos, que o convívio, formado pelo afeto e pelo desejo, entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes trata-se de verdadeira entidade familiar, ante a dinâmica social, na qual se recria e se altera a instituição da família, constituindo-se, em direção ao futuro e em razão da realidade concreta, contemporânea modelagem aberta voltada à inclusão. Trata-se de alargamento da compreensão do conceito de família, que em um processo permanente de transformação cria distintas formas de materialização do afeto e do desejo. Por está razão é incabível a exclusão desta entidade familiar da proteção jurídica, já que a família nos moldes tradicionais nem sempre foram da forma que a conhecemos, isto é, nem sempre foram monogâmicas e, exclusivamente, heterossexuais.

A família monogâmica e heterossexual surge no momento histórico em que o homem, ao alterar o modo de produção – escravista, o qual dá início à exploração do homem pelo homem, se torna proprietário privado, para o qual se faz necessária a dominação da mulher, para que esta sirva a reprodução tendente a criar herdeiros para reproduzir a lógica de acumulação de propriedade. Portanto, a família monogâmica e heterossexual, ao adentrar na historia, serve, tão-só, a circular a mercadoria, estando umbilicalmente ligada a ela, descaracterizando qualquer possibilidade de amor não-reificado.

Ressalta-se que, indo para além do velho, o enlaçar-se, por afeto, por amor, por desejo, de pessoas do mesmo sexo, a fim de constituir núcleo familiar, em razão de sua existência socialmente ostensiva e duradoura, trata-se de verdadeira família, razão pela qual, mais uma vez, se afirma, mediante o pressuposto da não exclusão, da igualdade e da liberdade, a necessidade de protegê-la, como meio concretizador do “bem de todos”. Por sua vez e, ainda, analisando a literalidade, temos, explicitamente, a necessidade de promover o bem de todos, sem qualquer restrição ou descriminação, já que o vocábulo “todos” remonta a totalidade de pessoas, as quais constituem e coexistente na sociedade. Portanto, para além da promoção do bem de alguns e para a realização dos desejos e sonhos de todos, faz-se necessário a proteção jurídica aos conviventes de mesmo sexo, os quais englobam, inevitavelmente, a totalidade concreto-social, a fim de concretizar a promessa constitucional, sob pena de afronta a constituição e aos mais elevados princípios.

Vale ressaltar que o amor na sociedade sociometabólica do capital, fundada na desigualdade e no preconceito, surge como tragédia, já que para a existência deste sentimento, faz-se necessária a plena igualdade e liberdade entre os seres sociais. Deste modo, reconhecer a união estável, assim como o casamento de pessoas do mesmo sexo é reinventar o amor ao escutar a rua, buscando um sentimento não coisificado, em razão do reconhecimento de uma igualdade e de uma liberdade – não aquela limitada pela heteronormatividade, pelo patriarcalismo, assim como pelo machismo, os quais constam direita e indiretamente na vasta legislação.

Assim, a união estável homoerótica, qualifica-se, socialmente e constitucionalmente, como verdadeira entidade familiar, razão pela qual se faz inarredável o reconhecimento da proteção do Estado à estas uniões, nos moldes daquelas constituídas por pessoas de sexos distintos, assim como, à titulo de curiosidade, no caso de família paralela, na qual se reconhece a possibilidade de cumulação entre um casamento e uma ou varias uniões estáveis, pela polêmica ora suscitada, é evidente que se trata de pessoas de sexos distintos, pela própria constituição machista e patriarcal. De se notar, portanto, a discriminação que, além de reproduzir o machismo estrutural e complexo, propicia a realização do preconceito social aos homossexuais no arcabouço jurídico.

Se não bastasse a realidade concreta e as relações sociais, sabe-se que a Constituição, a contrário senso de sua compreensão como amontoado de normas, constitui-se em um sistema aberto de princípios e de regras, os quais se restringem e se harmonizam reciprocamente, ou seja, é necessário compreender cada elemento à luz dos demais.

É necessário dizer que, ao adotar o principio interpretativo da unidade da constituição, o Direito Constitucional deve ser interpretado de forma a evitar contradições e antinomias de normas e princípios, a fim de, após compreender o todo da Constituição, harmonizá-los e, sobretudo, concretizá-los. Há, portanto, uma conexão de sentidos com as demais normas e princípios.

Assim, para que haja unidade de sentido no plano da ordem jurídica e manutenção da ordem constitucional adotada, bem como a sua concretização e, ainda, tendo em vista a realidade concreta, faz-se necessário o reconhecimento às uniões homoeróticas os mesmos direito das heteroeróticas, já que estaríamos incorrendo em clara desarmonia, em razão da desconsideração do todo e dos princípios da igualdade, da liberdade, da dignidade da pessoa humana, do estado democrático de direito, do não preconceito, da construção de uma sociedade justa e solidaria e do principio implícito de inclusão dos indivíduos.

De se notar, portanto, que destes princípios decorre a necessidade de efetivar a inclusão, finalidade esta presente no espírito inclusivo e exemplificativo do art. 226 da CF, como preceito indispensável para emancipação dos grupos oprimidos em favor da igualdade e da superação do preconceito. Trata-se de verdadeira norma inclusiva, voltada a concretização de direitos fundamentais e, sobretudo, ao reconhecimento do novo a caminhar por entre a realidade, escutando e dignificando as relações sociais de afeto. No mais, defender os direitos dos oprimidos é, de fato, zelar pela supremacia constitucional, já que, neste processo legitimador, se faz indispensável escutar aquelas e aqueles calados e encerrados em um papel e, sobretudo, representados pelos valores da opressão. Assim, efetiva-se, apesar dos pesares, um direito voltado a emancipação.

Isto posto, em razão da concretização dos direitos fundamentais, assim como baseado no dinamismo social, o qual cria e recria o direito – aquele verdadeiro –, julgo procedente a presente, a fim de reconhecer a extensão, à união estável e ao casamento homoerótica, do mesmo regime jurídico daquela constituída entre pessoas de diferentes gêneros, desde que atingidos os mesmos requisitos constitucionais.

domingo, 23 de outubro de 2011

O Direito Achado na Rua: A Liberdade e a Consciência


A expressão criada por Roberto Lyra Filho – Direito Achado na Rua –, em breve síntese, objetiva apresentar uma concepção transformadora do Direito, que se constrói nos espaços públicos - a rua - com abertura à formação de sociabilidades reinventadas, dirigindo a consciência para uma cultura cidadã e participação democrática. Portanto, devemos entender o fenômeno jurídico com seus sujeitos como protagonistas na busca da quebra das algemas que os aprisionam na opressão e na espoliação, em plena oposição à frívola lei e à doutrina incessível às condições sociais, propiciando a desalienação e possibilitando a mudança de seus destinos e experiências. Assim, o Direito que envolve nossos bancos acadêmicos e as esferas de poder, enclausurado em seus palácios e alheio aos movimentos e às demandas populares, cede lugar àquele que se encontra nas ruas.

É importante dizer que a atuação destes novos sujeitos, atuando coletivamente na realidade, e as experiencias por eles desenvolvidas de criação de direito propiciam: 1) A determinação do espaço político no qual se desenvolvem as práticas sociais que enunciamO novo Direitoainda que contra legem; 2) A definição da natureza jurídica do sujeito coletivo, sendo este apto a elaborar um projeto de transformação social e de elaborar-se como sujeito de direito; 3) Estabelecer, através destas praticas criadoras de direitos, novas categorias jurídicas.

Partimos da perspectiva que apreender o Direito e criticá-lo propicia a sua desmistificação, revelando, além dos véus, a realidade concreta, o que nos leva a encará-lo como uma relação entre homens, ou seja, uma relação social. A concepção jusfilosófica do Direito Achado Achado na Rua, perspectiva crítica do pensamento jurídico, parte, sucintamente, da expressão do pluralismo jurídico e do humanismo dialético.

Assim, as bases teóricas adotadas, fundadas na dialética como opção científica-metodológica, são, principalmente, Hegel, Henrique C. Lima Vaz, João Mangabeira, Karl Marx, o sociologismo jurídico de Ehrlich, dentre outras correntes críticas do sociologismo jurídico, assim como a hermenêutica materialista.

Faz-se necessária a tentativa de localizar a referida teoria no plano de compreensão da natureza objetiva do Direito, ou seja, localizá-lo dentro de uma escola do pensamento jurídico. Trata-se de um perfil do chamado sociologismo jurídico, o qual compreende, em aspectos gerais, a desconsideração da lei estatal como única fonte produtora do Direito, admitindo outros parâmetros – no caso escutar a Rua -, assim como, a ampla liberdade do interprete ao aplicar a lei, quando possível, desde que parta de princípios filosóficos e sociológicos para tanto, conferindo um sentido, ao meu ver, reinventado, voltado para a transformação social e para a quebra das correntes da opressão e da espoliação. Entende, ainda, que o ordenamento jurídico estatal, em um mesmo espaço composto por pessoas politicamente organizadas, não é o único, coexistindo, deste modo, diversos direitos, fenômeno este denominado pluralismo jurídico.

É válido enquadrá-lo, em razão da perspectiva crítica adota, como uma vertente do Direito Alternativo, o qual decorre da compreensão do fenômeno jurídico como um instrumento de opressão e de dominação entre as diferentes classes sociais, assim como a consciência da aplicação do Direito como fenômeno politico, que se dá no espaço público e politico – a rua – devolvendo ao Direito sua dignidade política, esquecida em razão de bloqueios e de desvios ideológicos.

No pensamento de Lyra Filho, o ponto de partida é a recusa da tradicional redução distorcida e ideológica do Direito em jusnaturalismo e em positivismo legalista. Para além destas concepções, é necessário entender a sociedade e o Direito através da dialética, que a preocupação constante de entender os fatos concretos, a partir da enfatização de uma transformação social, assim como compreender a totalidade de todos os segmentos sociais. Por consequência, e com o intuito de evitar mais uma concepção ideológica ilusória, faz-se necessário a adoção de uma prática libertadora. Assim sendo, e apoiados em uma sociologia jurídica crítica, revelar-se-á o caráter instrumental do Direito não apenas como controle social, mas, na verdade, como um instrumento para as mudanças sociais e para a libertação conscientizada.

Portanto, e em razão da desconstrução do velho, surge um novo projeto, um novo direito, com a tarefa de criaruma ciência jurídica sem dogmas, analítica e critica ao mesmo tempo (...cuja) base de toda dialetização eficaz de ser uma ontologia dialética do Direito, sem eiva de idealismo intrínseco e sem compartimentos estaques entre a síntese filosófica e a análise da dialética social das normas, em ordenamentos plurais e conflitivos e sob o impulso da práxis libertadora1. Rassalta-se que a principal inversão do pensamento tradicional é compreender as normas como Direitoe, depois, definir Direito pelas normas, limitando estas às normas do Estado e da classe e grupos que dominam2. É válido lembrar que a lei advinda do Estado permanece, de fato, ligada à classe dominante, que o Estado, à sombra daqueles que comandam o processo econômico, é um complexo de órgãos que controlam a sociedade politicamente organizada, sociedade esta que se alienada das decisões tomadas nesse âmbito.

A identificação entre Direito e Lei faz parte do repertório ideológico do Estado e, em razão de sua posição, almeja convencer-nos de que não contradições. É válido notar que nem toda legislação, como expressão de uma classe, é Direito autêntico e legítimo. Isso se da pelo fato da lei abranger, conforme o momento histórico, Direito e Antidireito: “isto é, Direito propriamente dito, reto e correto, e negação do Direito, entortado pelos interesses classísticos e caprichos continuístas do poder estabelecido3. Por outro lado, o Direito, atualmente, encontra-se aprisionado e isolado no Campo de Concentração Legislativo, como conjunto de normas estatais. O que cabe a nós alargar o foco, mediante uma visão dialética, abrangendo o além do direito e das normas não-estatais, fenômeno este que se pelas pressões populares, de grupos espoliados e oprimidos. Assim como sentimentos e anseios que emergem da sociedade civil (instituições não vinculadas ao Estado) e que adotem posições de vanguarda, como determinados movimentos sociais, setores de igrejas, associações profissionais, culturais e estudantis e dentre outros veículos de desconstrução do velho.

É dentro deste pluralismo jurídico insurgente e não estatal que se dignifica o Direito dos oprimidos e dos espoliados, o qual não mais refletirá a superestrutura normativa de dominação. Portanto, solidificará o processo de construção coletiva do fenômeno jurídico de base estrutural, isto é, escutar as pessoas e a rua. Ademais, abandonar-se-á a noção distorcida de Direito como mero veiculo de dominação, libertando-o da sua caracterização como ideologia. O fenômeno jurídico somente se efetiva a partir de sua essencialidade sociopolítica, em razão da sua aplicabilidade nas relações entre os homens, e de seu dinamismo, no processo de libertação, assim é indispensável a superação da lei estatal, em certos casos, para que o Direito acompanhe a justiça.

Em suma, o Direito deve prestar ao projeto de ampliação da capacidade popular de determinar-se como sujeitos soberanos nos encaminhamentos da vida e dos seus interesses. “Há muitas armadilhas no mundo e precisamos aprender a quebrá-las” (Ferreira Gullar). É necessário aprender a quebrar as armadilhas do mundo e do Direito, para que este se torne autêntico e global instrumento de emancipação. O Direito está na Rua. E a Rua Grita!

1 Roberto Lyra Filho apud Wolker, Introdução ao pensamento jurídico crítico, pg. 100.

2Roberto Lyra Filho apud Wolker, Introdução ao pensamento jurídico crítico, pg. 100.

3FILHO, Roberto Lyra. O que é Direito?, p. 5